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Entrevista a Angelino Pereira


Um eterno sonhador

Autor de 15 livros publicados, nos últimos 20 anos, o professor e escritor Angelino Pereira fala-nos de si, do processo de escrita, da obra e do mais recente livro O que nos faz caminhar. Um romance que tem como cenário a região da Amazónia, um espaço de enorme riqueza natural e cultural e que vem sendo progressivamente devastada por uma sociedade consumista e gananciosa. Uma sociedade que se encontra refém de uma Organização com poderes à escala planetária, que tudo analisa e a todos controla, avançado sem barreiras nem restrições “num mundo onde a iliteracia se instalou, a formação se faz através das redes sociais e onde todos dizem não ter tempo para nada, onde não se lê, nem se cria consciência ou sentido crítico”, refere o escritor.
E neste mundo onde todos parecem chipados, só a esperança persiste, enquanto os heróis ainda resistem. E nesta Amazónia “onde todos têm a sua dose de culpa”, movimenta-se Alberto, o herói desta história, natural de Vila Verde e emigrado para o Brasil logo após a 2ª Guerra Mundial. Também ele se deixou influenciar pela ideia de enriquecer, mas o contacto com as tribos indígenas levam-no a repensar os seus valores e a tornar-se uma referência para os que ainda resistem “e apesar de chipado não se deixou corromper nem age como os demais, uma carneirada guiada pelo pastor”.

Quem é Angelino Pereira?

“Sou um aventureiro, um curioso, um homem da comunicação. Gosto de viajar muito, de pegar na mochila e ir à procura, de explorar, de ir tirando apontamentos sobre o que vejo e sinto. As viagens são universidades da vida. Durante as viagens aprendemos o mundo com os seus povos, usos e costumes, tradições e culturas e em cada uma dessas viagens pode surgir a inspiração, a ideia do projeto para escrever o romance que pode mudar a vida de muitas pessoas”, explica o escritor.
E foi assim, a partir das suas viagens que surgiram alguns dos romances anteriores e também o seu mais recente livro. O espaço da ação do O que me faz caminhar é o resultado de uma das suas viagens ao Brasil por altura da Bienal Internacional do Livro de S. Paulo, o maior palco de encontro das principais editoras do Brasil, de escritores e leitores. “Em 2016, após a participação neste evento que mobiliza muita juventude e muitos intervencionistas, viajei para Belém e Manaus onde conheci o professor e investigador Theodomiro Gama Junior que durante dois anos realizou um aprofundado estudo sobre a Amazónia e contactou e viveu com diversas tribos, entre elas, o povo indígena Kayopó”. O conhecimento obtido através dos estudos do professor Theodomiro Gama Junior, das conversas partilhadas, da sua própria viagem à Amazónia e da leitura de muitos outros textos “deram-me matéria para este livro, um romance que tem um espaço de ação real que quase nos permite fazer um roteiro de viagem”.

As personagens da obra: realidade ou ficção?

Alberto, personagem principal e herói do romance O que nos faz caminhar, assim como o seu autor, têm uma ligação muito especial a Vila Verde, embora por motivos distintos. Enquanto Alberto partiu desta terra minhota em busca das riquezas do Brasil, para Angelino Pereira, Vila Verde é a terra para onde sempre regressa “Onde o amor acontece”. Não é a sua terra natal, mas foi aqui que construiu muitas das suas amizades e onde comprou uma casa, o seu paraíso, o seu espaço poético, onde tem paz, sol e tranquilidade para deixar crescer as personagens das suas obras. “As minhas personagens são ficcionadas, mas inevitavelmente passam pelas minhas experiências e pelo meu sentir”. Desde a criação do seu retrato físico e psicológico, os nomes, a sua evolução na trama nada é ao acaso e no final tudo tem que bater certo, as personagens têm que ficar arrumadas, o que pode ser bastante complicado. “É preciso sentir, ter vocação, estudar o comportamento das pessoas para escrever”. Coincidentemente ou não, uma vez mais, autor e personagem principal, partilham a mesma vontade de tornar o mundo mais humano “já que temos perdido essa humanidade em favor do material, que nos conduz a nada e decerto resulta no vazio de nós mesmos”.

O que o faz caminhar o professor Angelino Pereira

Não existe um, mas vários temas no mais recente livro de Angelino Pereira, alguns são até transversais a outras obras suas, refletindo as inquietudes do autor com as questões ambientais, o amor, a integridade, o pensamento crítico e falta dele, a sociedade e a globalização.  Vários temas que se conjugam “Num grito! Numa chamada de atenção para a realidade do mundo”. Uma chamada de atenção para o que se está a passar na Amazónia e em muitos outros lugares, onde o dinheiro movimenta tudo, onde um sistema global controla e manipula tudo.  Mas a esperança não está perdida “Esta crise gerada pela pandemia e pela guerra deverá consciencializar-nos para uma nova forma de ver a vida e o direito de cada um viver. E cada um deve fazer um contrato consigo mesmo, tornar-se mais solidário e obrigando-se a cumprir cláusulas de ética e respeito por todos, sem exceção”. Ser mais autêntico é capaz de ser a única forma de ser feliz, “porque sempre que alguém tem que obedecer a alguém ou a algum sistema deixa de ser ele próprio para ser o que o outro quer ou o sistema exige”.

15 obras publicadas nos últimos 20 anos

Nascido na década de 50, o professor Angelino Pereira começou por escrever os seus primeiros poemas aos 12 anos “Comecei desde muito cedo, como acontece com todas as pessoas que gostam de ler e se apaixonam pela vida. E a adolescência é uma idade marcante pelas grandes paixões e eu sempre fui e continuo a ser um apaixonado”. Mais tarde, como muitos outros jovens portugueses da sua geração foi para Angola servir na guerra colonial. Sem deixar de escrever, envia alguns dos seus poemas para a Rádio de Angola de onde recebe muitos elogios e percebe que as pessoas gostavam do que escrevia e que a sua escrita tinha impacto nas mesmas. Alguns desses e outros poemas vão ser publicados em 1991 na 1ª Coletânea de Poetas de Guimarães, um trabalho de Luís Caldas. Mais tarde, em 1995, publica o seu primeiro livro No Conto do meu poema, uma compilação de vários textos e poemas anteriores.
“E, a partir daí nunca mais deixei de escrever e publicar com regularidade e hoje já estou a pensar no próximo romance e nas suas personagens”.

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